quarta-feira, 8 de maio de 2013


ATIVIDADES NOTARIAIS E DE REGISTRO DE IMÓVEIS:  SERVIÇO  PÚBLICO OU PARTICULAR? –  UMA ANÁLISE DO ART 236  DA  CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Vanessa Lima da Silva Souza
Monique Mendes de Melo



1. INTRODUÇÃO

           O presente artigo tem como finalidade realizar uma analise clara e objetiva  da atividade notarial e registral sob a ótica do artigo 236 da Constituição Federal , pois em decorrência  das características históricas do serviço notarial brasileiro, esta   atividade ainda gera muitas dúvidas em relação  a sua natureza jurídica e sua atribuição funcional. Afinal os notários  são ou não funcionário público? Qual a natureza jurídica do serviço notarial e registral?

          Para podermos entender melhor os motivos desses questionamentos é necessário conhecer um pouco a história do serviço notarial e registral  na sua  origem ,principalmente no âmbito das terras brasileiras. Depois abordaremos o referido assunto sob o contexto da nossa Carta Maior, enfatizando a importância que o texto Constitucional proporcionou a regulamentação da atividade notarial em nosso país.

          Por ultimo, abortaremos os aspectos relacionado a natureza jurídica da atividade notarial e registral ,  com o objetivo de  conhecer melhor o exercício de sua função como delegação do poder público a um ente privado.

2.BREVE HISTÓRICO  

2.1 Sua Antecedência

           A atividade notarial  remota de civilizações antigas e surgiu como consequência da necessidade social de estabelece uma maior segurança e estabilidade as relações jurídicas,   possibilitando assim, a sua perpetuação no tempo. Seu precursor mais longínquo encontra-se na figura dos escribas que se caracterizavam por serem funcionários do qual gozavam de certos privilégios e tinham como função  redigir as normas e os negócios jurídicos dos povos antigos  como o Egípcio e o Hebreu.  Destaca-se que  essa função era essencialmente redatora.

           Foi na civilização romana, principalmente com o advento do Corpus Juris Civilis de Justiniano I, que a atividade notarial atingiu maior semelhança com aquelas exercidas pelo notário de hoje. Nesta época surgiram diversos tipos de oficiais deste instituto, os quais destacam-se os notarii, os argentarii, os tabularii, e os tabelliones[1].

           Os notarii  eram aqueles que escreviam,  utilizando-se de notas e valendo-se de iniciais, símbolos ou abreviaturas , com o intuito de captar com maior rapidez a exposição verbal que estava sendo realizado,entretanto, esta função não era revestidos de caráter público . Já os  argentarii, consistiam naqueles indivíduos que conseguiam dinheiro por empréstimo para particulares, elaborando o contrato de mútuo e registrando em livro próprio o nome e cognome do devedor.[2]Os tabularii atuavam como empregado fiscal encarregado de formular as listas de impostos, registrar informações como nascimento, casamento,óbito etc. Além de inventariar as coisas de propriedade privada e pública,  conservando e guardando todas as informações.[3] Mas, quem verdadeiramente representou  com mais fidelidade os antecessores do notário moderno foram os tabelliones, pois eles exerciam atividades que formalizavam os negócios jurídicos particulares e testamentos, assim como atuavam como redator e assessor jurídico.

           Outro marco determinante na história da atividade notarial foi a Escola de Bolonha  considerada por diversos doutrinadores como sendo a primeira escola  notarial, cuja contribuição dos glosadores foi de grande importância para a fixação científica das bases institucionais do notariado moderno.[4]

2.2 No Brasil

           O primeiro a figurar como notário na história brasileira, foi Pero Vaz de Caminha ao narrar e documentar os fatos oficiais sobre a descoberta e posse  das novas terras à coroa Portuguesa.É, então,  sob a influência dessa escola, considerada na época ultrapassada e eivada de defeitos, que o notariado brasileiro se fecunda.

           Durante o período de colonização e de império o direito brasileiro foi simplesmente uma reprodução ou transcrição do direito português, consequentemente a atividade notarial aqui praticado era carente de regulamentação e identidade própria. A investidura do cargo de tabelião de notas ocorria por meio de nomeação real o qual se utilizava de critérios pouco confiáveis como a doação, ou mesmo compra e venda, além disto, este cargo era investido de um direito vitalício e hereditário, o que comprometia o bom exercício da função.

           Apesar de terem ocorridas algumas tentativas de organização e regulamentação do serviço notarial no Brasil como, por exemplo, a lei editada em 1827 regulando o provimento dos ofícios da Justiça e Fazenda; a  lei 601 de 1850  conhecido como Registro do Vigário  o qual,  discriminou os bens de domínio público dos bens particulares e  que possuíam apenas efeitos meramente declaratório, a instituição notarial em nossa terra, foi durante um longo tempo  marcado por um desprovimento jurídico, pelo descaso e por um engessamento imposta pela subserviência a coroa portuguesa.

          Em  1946  a  Constituição Federal Brasileira  concedeu a condição de vitaliciedade aos titulares dos Serviços Notariais e Registrais, fortalecendo ainda mais a concepção de  funcionário público atribuído a classe notarial. Essa situação provocou uma ineficiência no avanço desta atividade, pois diminuiu a sua autonomia funcional e prejudicou a prestação do serviço notarial. Somente com o advento da Constituição de 1988 foi possível esclarecer e modificar esta concepção, sendo este o nosso próximo objeto de estudo.

3. OS SERVIÇOS NOTARIAIS  E DE REGISTRO DIANTE A CONSTITUIÇÃO DE 1988

           A Constituição de 1988 institui profundas mudanças na atividade notarial brasileira, fixando-lhe os princípios  fundamentais e a previsão de diretrizes básicas , o que possibilitou  a tão almejada lei orgânica do notariado.[5]  Entretanto, a referida lei somente foi sancionada em novembro de 1994  , após um longo processo de elaboração, iniciado no plano político institucional [6].A Lei 8.935/94 regulamentou, enfim, o art.236 da Constituição Federal.

            Segundo expressa disposição do art.236 da Constituição Federal “Os serviços notariais são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.”, portanto, o legislador brasileiro  instituiu o regime exclusivamente  privado para a atividade notarial, determinando desta forma, o rompimento com as regras anteriores  que atribuíam aos notários e registradores o tratamento de funcionários públicos.

            Apesar dos notários e registradores exercerem uma atividade estatal, dotada de fé pública eles não são titulares de cargo público, visto que prestam serviço ao Estado sem que haja nenhuma relação de subordinação ou hierarquia, ou seja, não existe vinculo  empregatício.  O que de fato existe é uma fiscalização por parte do Estado em relação à eficiência do serviço delegado, sendo tal atribuição de competência do Poder Judiciário, por expressa disposição constitucional.  

            O § 3º do art. 236 da CF/88 estabelece a imperiosidade do “ingresso nas atividades notariais por concurso público de provas e títulos não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou remoção, por mais de seis meses”. Diante este  dispositivo podemos perceber uma conotação mais profissional e qualificada que foi atribuído ao serviço notarial  e registral em nossa Carta Magna,  revertendo  a  antiga imagem de apadrinhamento e ineficiência cultivada durante longos anos. Entretanto, também podemos concluir que o referido dispositivo  evidencia o princípio da continuidade do serviço publico na atividade notarial, o que por sua vez, gera dúvidas sobre  a sua natureza jurídica.

4. A  NATUREZA JURÍDICA DOS SERVIÇOS NOTARIAS : PÚBLICO OU PRIVADO.

          A natureza jurídica dos serviços notariais e de registro é constantemente alvo de muitas polêmicas visto a sua peculiar situação como agente publico, ou  como define alguns doutrinadores, agentes particulares colaboradores do Poder Público.

         Podemos analisar a natureza jurídica dos serviços notariais e registrais sob dois aspectos, o primeiro refere-se ao aspecto subjetivo ou formal de que a natureza jurídica da atividade notarial e registral é, sem dúvida privada, pois conforme expressa disposição do art. 236 da Constituição Federal “os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”. Não restando dúvida sobre o fato de que, no caso especifico da atividade notarial o Estado delega, ou seja, transmite poderes e atribuições a outro com necessária previsão legal, sem, contudo torna-lo servidor público.

             O segundo aspecto refere-se ao caráter objetivo ou material da natureza jurídica do serviço notarial e registral  que se perfaz sob a égide  do art. 3º da Lei 8.935/94 :“Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro”. Deste modo , entende-se que a atividade notarial exprime função de natureza pública, além de ter como diretrizes os princípios elencados no art. 37 da Constituição (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), tal qual qualquer outra atividade exercida na esfera do Poder Público.

            A função notarial vincula-se a um ato administrativo do Poder Público tão somente por investidura da função ou nos atos da atividade notarial, possuindo autonomia própria para exercer a função que lhe foi delegada, desde que observe os requisitos legais previstos para o seu desempenho.Portanto, o notário é considerado um colaborador do poder público, de caráter privado, detentor de autonomia própria.[7]

5. CONCLUSÃO

             Durante longos anos a atividade notarial brasileira foi renegada a um plano secundário no direito pátrio, o notário era considerado funcionário público sendo muitos, destituído de capacidade para o exercício das funções que lhe  eram atribuídos,pois o ingresso no serviço notarial na maioria das vezes ocorria por motivos de apadrinhamento.

              Somente com a promulgação da Constituição de 1988 e a edição da Lei 8.935/94 , a atividade notarial e registral brasileira  foi levada a um patamar de maior notoriedade no nosso ordenamento jurídico. O art. 236 da CF/88 determinou a privatização dos serviços notariais e registrais, mediante um sistema de delegação, entretanto, este fato não torna o profissional  notarial  um servidor público.

             Conclui-se, então, que a natureza da atividade notarial e de registro reveste-se de caráter dúplice e sua compreensão é de grande importância para o entendimento da prestação desse serviço em nossa sociedade. O notário brasileiro é um  agente público e não um funcionário público, ou seja, sua função é dotado de fé pública  mas, seu exercício  ocorre sob a esfera particular.                 

[1] BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. P.29
[2] BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. P.29
[3] FOLLMER, Juliana. A Atividade Notarial e Registral como Delegação do Poder Público. Porto Alegre: Norton Editor, 2004. P.31
[4] FOLLMER, Juliana. A Atividade Notarial e Registral como Delegação do Poder Público. Porto Alegre: Norton Editor, 2004. P.35
[5] BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. P.79
[6] CENEVIVA, Walter. Lei dos Notários e Registradores Comentada (Lei n. 8.935/94), 4ª edição, ver. ampliada e atualizada, São Paulo/SP: editora Saraiva, 2002.
[7] FOLLMER, Juliana. A Atividade Notarial e Registral como Delegação do Poder Público. Porto Alegre: Norton Editor, 2004. P.84

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