ATIVIDADES NOTARIAIS E DE REGISTRO DE IMÓVEIS: SERVIÇO
PÚBLICO OU PARTICULAR? – UMA ANÁLISE
DO ART 236 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Vanessa Lima
da Silva Souza
Monique
Mendes de Melo
1. INTRODUÇÃO
O presente
artigo tem como finalidade realizar uma analise clara e objetiva da atividade notarial e registral sob a ótica
do artigo 236 da Constituição Federal , pois em decorrência das características históricas do serviço
notarial brasileiro, esta atividade
ainda gera muitas dúvidas em relação a
sua natureza jurídica e sua atribuição funcional. Afinal os notários são ou não funcionário público? Qual a
natureza jurídica do serviço notarial e registral?
Para
podermos entender melhor os motivos desses questionamentos é necessário
conhecer um pouco a história do serviço notarial e registral na sua
origem ,principalmente no âmbito das terras brasileiras. Depois
abordaremos o referido assunto sob o contexto da nossa Carta Maior, enfatizando
a importância que o texto Constitucional proporcionou a regulamentação da
atividade notarial em nosso país.
Por ultimo,
abortaremos os aspectos relacionado a natureza jurídica da atividade notarial e
registral , com o objetivo de conhecer melhor o exercício de sua função como
delegação do poder público a um ente privado.
2.BREVE HISTÓRICO
2.1 Sua Antecedência
A atividade notarial remota de civilizações antigas e surgiu como
consequência da necessidade social de estabelece uma maior segurança e
estabilidade as relações jurídicas, possibilitando assim, a sua perpetuação no
tempo. Seu precursor mais longínquo encontra-se na figura dos escribas que se caracterizavam por serem
funcionários do qual gozavam de certos privilégios e tinham como função redigir as normas e os negócios jurídicos dos
povos antigos como o Egípcio e o Hebreu. Destaca-se que essa função era essencialmente redatora.
Foi na
civilização romana, principalmente com o advento do Corpus Juris Civilis de Justiniano I, que a atividade notarial atingiu
maior semelhança com aquelas exercidas pelo notário de hoje. Nesta época
surgiram diversos tipos de oficiais deste instituto, os quais destacam-se os notarii, os argentarii, os tabularii, e os
tabelliones[1].
Os notarii
eram aqueles que escreviam, utilizando-se de notas e valendo-se de
iniciais, símbolos ou abreviaturas , com o intuito de captar com maior rapidez
a exposição verbal que estava sendo realizado,entretanto, esta função não era
revestidos de caráter público . Já os argentarii, consistiam naqueles
indivíduos que conseguiam dinheiro por empréstimo para particulares, elaborando
o contrato de mútuo e registrando em livro próprio o nome e cognome do devedor.[2]Os tabularii atuavam como empregado fiscal encarregado de formular as
listas de impostos, registrar informações como nascimento, casamento,óbito etc.
Além de inventariar as coisas de propriedade privada e pública, conservando e guardando todas as informações.[3] Mas, quem verdadeiramente representou com mais fidelidade os antecessores do
notário moderno foram os tabelliones, pois
eles exerciam atividades que formalizavam os negócios jurídicos particulares e
testamentos, assim como atuavam como redator e assessor jurídico.
Outro marco determinante na história da
atividade notarial foi a Escola de Bolonha
considerada por diversos doutrinadores como sendo a primeira escola notarial, cuja contribuição dos glosadores
foi de grande importância para a fixação científica das bases institucionais do
notariado moderno.[4]
2.2 No Brasil
O primeiro
a figurar como notário na história brasileira, foi Pero Vaz de Caminha ao
narrar e documentar os fatos oficiais sobre a descoberta e posse das novas terras à coroa Portuguesa.É, então,
sob a influência dessa escola,
considerada na época ultrapassada e eivada de defeitos, que o notariado
brasileiro se fecunda.
Durante o período de colonização e de império
o direito brasileiro foi simplesmente uma reprodução ou transcrição do direito português,
consequentemente a atividade notarial aqui praticado era carente de
regulamentação e identidade própria. A investidura do cargo de tabelião de
notas ocorria por meio de nomeação real o qual se utilizava de critérios pouco
confiáveis como a doação, ou mesmo compra e venda, além disto, este cargo era
investido de um direito vitalício e hereditário, o que comprometia o bom
exercício da função.
Apesar de
terem ocorridas algumas tentativas de organização e regulamentação do serviço
notarial no Brasil como, por exemplo, a lei editada em 1827 regulando o
provimento dos ofícios da Justiça e Fazenda; a
lei 601 de 1850 conhecido como
Registro do Vigário o qual, discriminou os bens de domínio público dos
bens particulares e que possuíam apenas efeitos
meramente declaratório, a instituição notarial em nossa terra, foi durante um
longo tempo marcado por um desprovimento
jurídico, pelo descaso e por um engessamento imposta pela subserviência a coroa
portuguesa.
Em 1946 a Constituição Federal Brasileira concedeu a condição de vitaliciedade aos
titulares dos Serviços Notariais e Registrais, fortalecendo ainda mais a
concepção de funcionário público
atribuído a classe notarial. Essa situação provocou uma ineficiência no avanço
desta atividade, pois diminuiu a sua autonomia funcional e prejudicou a
prestação do serviço notarial. Somente com o advento da Constituição de 1988
foi possível esclarecer e modificar esta concepção, sendo este o nosso próximo
objeto de estudo.
3. OS SERVIÇOS NOTARIAIS
E DE REGISTRO DIANTE A CONSTITUIÇÃO DE 1988
A Constituição de 1988 institui profundas
mudanças na atividade notarial brasileira, fixando-lhe
os princípios fundamentais e a previsão
de diretrizes básicas , o que possibilitou a tão almejada lei orgânica do notariado.[5] Entretanto, a referida lei somente foi
sancionada em novembro de 1994 , após um
longo processo de elaboração, iniciado no plano político institucional [6].A Lei 8.935/94 regulamentou, enfim,
o art.236 da Constituição Federal.
Segundo expressa disposição do
art.236 da Constituição Federal “Os serviços notariais são exercidos em caráter privado,
por delegação do Poder Público.”, portanto, o legislador brasileiro instituiu o regime exclusivamente privado para a atividade notarial,
determinando desta forma, o rompimento com
as regras anteriores que atribuíam aos
notários e registradores o tratamento de funcionários públicos.
Apesar dos notários e registradores
exercerem uma atividade estatal, dotada de fé pública eles não são titulares de
cargo público, visto que prestam serviço ao Estado sem que haja nenhuma relação
de subordinação ou hierarquia, ou seja, não existe vinculo empregatício. O que de fato existe é uma fiscalização por
parte do Estado em relação à eficiência do serviço delegado, sendo tal
atribuição de competência do Poder Judiciário, por expressa disposição
constitucional.
O § 3º do art. 236 da CF/88
estabelece a imperiosidade do “ingresso nas atividades
notariais por concurso público de
provas e títulos não se permitindo que qualquer
serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou remoção, por
mais de seis meses”. Diante este dispositivo podemos perceber uma conotação
mais profissional e qualificada que foi atribuído ao serviço notarial e registral em nossa Carta Magna, revertendo
a antiga imagem de apadrinhamento
e ineficiência cultivada durante longos anos. Entretanto, também podemos
concluir que o referido dispositivo
evidencia o princípio da continuidade do serviço publico na atividade
notarial, o que por sua vez, gera dúvidas sobre
a sua natureza jurídica.
4. A NATUREZA
JURÍDICA DOS SERVIÇOS NOTARIAS : PÚBLICO OU PRIVADO.
A natureza jurídica
dos serviços notariais e de registro é constantemente alvo de muitas polêmicas
visto a sua peculiar situação como agente publico, ou como define alguns doutrinadores, agentes
particulares colaboradores do Poder Público.
Podemos
analisar a natureza jurídica dos serviços notariais e registrais sob dois aspectos,
o primeiro refere-se ao aspecto subjetivo ou formal de que a natureza jurídica
da atividade notarial e registral é, sem dúvida privada, pois conforme expressa
disposição do art. 236 da Constituição Federal “os serviços notariais e
de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder
Público”. Não restando dúvida sobre o fato de que, no caso especifico
da atividade notarial o Estado delega, ou seja, transmite poderes e atribuições
a outro com necessária previsão legal, sem, contudo torna-lo servidor público.
O
segundo aspecto refere-se ao caráter objetivo ou material da natureza jurídica
do serviço notarial e registral que se
perfaz sob a égide do art. 3º da Lei
8.935/94 :“Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador,
são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado
o exercício da atividade notarial e de registro”. Deste modo ,
entende-se que a atividade notarial exprime função de natureza pública, além de
ter como
diretrizes os princípios elencados no art. 37 da Constituição (legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), tal qual qualquer outra
atividade exercida na esfera do Poder Público.
A função notarial vincula-se a um ato
administrativo do Poder Público tão somente por investidura da função ou nos
atos da atividade notarial, possuindo autonomia própria para exercer a função
que lhe foi delegada, desde que observe os requisitos legais previstos para o
seu desempenho.Portanto, o notário é considerado um colaborador do poder
público, de caráter privado, detentor de autonomia própria.[7]
5. CONCLUSÃO
Durante
longos anos a atividade notarial brasileira foi renegada a um plano secundário
no direito pátrio, o notário era considerado funcionário público sendo muitos,
destituído de capacidade para o exercício das funções que lhe eram atribuídos,pois o ingresso no serviço
notarial na maioria das vezes ocorria por motivos de apadrinhamento.
Somente
com a promulgação da Constituição de 1988 e a edição da Lei 8.935/94 , a
atividade notarial e registral brasileira
foi levada a um patamar de maior notoriedade no nosso ordenamento
jurídico. O art. 236 da CF/88 determinou a privatização dos serviços notariais
e registrais, mediante um sistema de delegação, entretanto, este fato não torna
o profissional notarial um servidor público.
Conclui-se, então, que a natureza da atividade notarial e de registro
reveste-se de caráter dúplice e sua compreensão é de grande importância para o
entendimento da prestação desse serviço em nossa sociedade. O notário
brasileiro é um agente público e não um
funcionário público, ou seja, sua função é dotado de fé pública mas, seu exercício ocorre sob a esfera particular.
[1]
BRANDELLI,
Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. P.29
[2] BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito
Notarial. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. P.29
[3] FOLLMER, Juliana. A Atividade Notarial e Registral como Delegação do Poder Público.
Porto Alegre: Norton Editor, 2004. P.31
[4] FOLLMER, Juliana. A Atividade Notarial e Registral como Delegação do Poder Público.
Porto Alegre: Norton Editor, 2004. P.35
[5] BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito
Notarial. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. P.79
[6] CENEVIVA,
Walter. Lei dos Notários e Registradores
Comentada (Lei n. 8.935/94), 4ª edição, ver. ampliada e atualizada, São
Paulo/SP: editora Saraiva, 2002.
[7] FOLLMER, Juliana. A Atividade Notarial e Registral como Delegação do Poder Público.
Porto Alegre: Norton Editor, 2004. P.84
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