Maria das Graças Cabral
Galdino*
RESUMO
O presente artigo abordará
alguns aspectos relevantes para que se efetive a transferência da propriedade
imóvel privada no Brasil. Com frequência observa-se no âmbito judicial e/ou extrajudicial
conflitos envolvendo a propriedade imobiliária, e que poderiam ser evitados, caso
algumas precauções fossem tomadas logo no início das negociações. O sistema
jurídico brasileiro estabelece, que a transferência da propriedade imóvel só se
efetiva através do registro do título translativo no Registro de Imóveis. Então,
com base na legislação pertinente e na doutrina dominante, alguns comentários
serão feitos a respeito dos títulos translativos registráveis, e de alguns princípios
do registro imobiliário.
Palavras-chave: propriedade
imóvel; transferência da propriedade imóvel; títulos translativos; princípios
do registro imobiliário.
1 INTRODUÇÃO
No transcorrer dos tempos
observa-se constantemente a propriedade imóvel como objeto de negócios
jurídicos que geram constantes conflitos. É considerável o número de problemas
envolvendo a transferência de imóveis, levando os interessados à busca de soluções
através das Corregedorias Gerais de Justiça dos Estados, e/ou pelas vias
contenciosas.
É comum ouvir-se de muitas
pessoas, alegres comentários relacionados à realização de um sonho há muito almejado,
e que se concretizaria na aquisição da casa própria. Como também, a satisfação
daqueles que anseiam vender seus imóveis objetivando a realização de outras
transações negociais.
Entretanto, passados os
primeiros momentos da realização do negócio, muito comumente através dos
contratos de promessa de compra e venda, surgem os verdadeiros problemas quando
da efetivação da transferência da propriedade junto ao registro imobiliário.
Em Fortaleza/CE, por exemplo,
pode-se observar no gráfico abaixo, realizado pelo Instituto de Pesquisa e
Estatística do SECOVI-CE (INPESCE), o grande volume de vendas de imóveis ocorridos
entre os anos de 2001 a 2010.
Gráfico
demonstrativo do volume de vendas de imóveis em Fortaleza - Ceará
(http://www.secovi-ce.com.br/index. php? option=com_content&view=article&id–
i – Acessado em: 28/09/2012).
Não obstante o montante de
alienações apresentado no gráfico acima, grande número dessas transações
estarão envolvidas em irregularidades, que privarão a transferência da
propriedade, gerando decepções e conflitos que muito comumente envolvem
vendedores, compradores, corretores de imóveis, quando não, os ofícios de notas
e de registro imobiliário.
Vale ressaltar que segundo o
ordenamento jurídico brasileiro, o proprietário é aquele que “tem a faculdade
de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer
que injustamente a possua ou detenha.” (Artigo 1.228 do Código Civil).
Ou seja, ser proprietário é
ter, por exemplo, a faculdade de morar no seu imóvel, ou se preferir, alugá-lo,
ou ainda dar em garantia hipotecária aos seus credores. Ser proprietário é
poder dispor de parte de seus poderes em favor de outrem, constituindo um
usufruto, ou contratando com alguém uma concessão de superfície. Ou ainda, ter
o direito de discutir limites e demarcações com seus confinantes.
Ser proprietário é ter
legitimidade para mandar demolir construções que desrespeitem a especialização
de seu imóvel, ou reivindicá-lo das mãos de quem quer que o detenha sem o
título de domínio. Ser proprietário é a qualquer tempo poder alienar gratuita
ou onerosamente a sua propriedade, dentre várias outras possibilidades estabelecidas
em lei.
Entretanto, o que se faz
necessário para haja a efetiva transferência da propriedade, e com esta o
exercício das faculdades que a legislação civil preceitua? O presente trabalho
tem por escopo pontuar alguns aspectos relevantes para que se efetive a
aquisição da propriedade imóvel, logicamente sem a pretensão de esgotar o
assunto.
Far-se-á uma abordagem de
preceitos legais e princípios, que se observados evitar-se-á alguns escolhos,
que comumente levam a cercear a concretização do negócio imobiliário. Não
obstante, é importante destacar que no momento da aquisição de um imóvel,
deve-se deixar de lado um pouco do “encantamento e dos sonhos”, para buscar “racionalmente”
analisar se o desejado imóvel atende aos requisitos legais que permitirão de
fato e de direito a transferência da propriedade, que é a pretensão almejada por
vendedores e compradores.
2. A PROPRIEDADE
PRIVADA
“No Direito Romano, o termo técnico para
designar propriedade era dominium (o
domínio) enquanto designava-se o proprietário de dominus (o senhor). Adveio, posteriormente, o termo proprietas, com o significado de
referência à qualidade de ser própria a coisa, de pertencer de modo exclusivo e
absoluto ao proprietário. O termo dominium
passou a exprimir o poder do proprietário sobre a coisa que lhe pertencia, ou a
soma dos poderes que lhe competia. Admitiu-se, assim, ao lado do dominus proprietatis, o dominus usufructus. De modo geral, há
sinônimo no emprego dos dois termos”. (2007: p. 183)
Adiante,
estabelece o autor que “o vocábulo ‘domínio’ encerra um conteúdo que se
encontra na palavra ‘propriedade’; esta, porém, além de ser aplicável aos
móveis e imóveis, compreende também as coisas incorpóreas, desdobradas na
propriedade intelectual, que se subdivide em propriedade literária, artística,
científica e industrial”. (2007: p. 184)
No Brasil, os imóveis de
domínio privado, segundo preceitua Pedro Elias Avvad, em sua obra Direito Imobiliário (Teoria Geral e Negócios
Imobiliários) “tiveram a sua origem, basicamente, no instituto da sesmaria”. De acordo com a narrativa do
autor, logo depois do descobrimento do Brasil, as novas terras foram
incorporadas ao domínio da Coroa portuguesa, e com a criação das capitanias
hereditárias, o rei delegava aos seus titulares (donatários), o poder de
conceder sesmarias às pessoas que se estabelecessem em suas capitanias. (2012:
p. 21)
Com o advento da Lei nº 601
de 1850 foi criado o “registro do vigário ou paroquial das terras possuídas por
particulares”, tendo apenas o caráter de cadastramento. O sistema fundiário
privado passou a normatizar-se, portanto, a partir da promulgação da referida
lei. (2012: p. 23)
Já em pleno século XX foi
promulgado o Decreto nº 4.857/1939 que trouxe o sistema do registro imobiliário
através das Transcrições, onde no Livro 3 eram feitas as transmissões do
domínio, e no Livro 2 a inscrição hipotecária.
Até que no ano de 1973, foi
promulgada a Lei 6.015 (Lei dos Registros Públicos) que objetivando a
autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos que envolvam a
propriedade imóvel, pautou-se em princípios registrais que serão comentados
oportunamente.
Hodiernamente, o Código Civil
brasileiro estabelece em seu artigo 1.245, que a propriedade privada só se transfere
“mediante o registro do título translativo no registro de imóveis”.
Isto posto, constata-se que o
sistema registral brasileiro é bifásico, pois a transferência da propriedade
imóvel passa num primeiro momento pela elaboração do “título translativo”, o
qual posteriormente será apresentado ao registro imobiliário, para que
submetido ao exame da legalidade seja registrado, e então se faça a
transladação do domínio para o novo adquirente.
Em seguida, nos §§1º e 2º do
referido artigo, o legislador estabelece que “enquanto não se registrar o
título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”, e
que “enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade
do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido
como dono do imóvel”.
Observa-se, portanto que a
legislação brasileira é enfática em asseverar que somente através do registro
do título translativo no registro imobiliário, que a propriedade imóvel se
transfere, e que enquanto não houver cancelamento do registro, aquele que
figurar como proprietário poderá exercer todas as faculdades que lhe são
atribuídas por lei.
Diante do exposto, no item subsequente,
tratar-se-á dos instrumentos de transferência da propriedade imóvel que a
legislação pertinente atribui legitimidade para serem apresentados ao CRI para o
devido exame e posterior registro.
3. TÍTULOS TRANSLATIVOS
Para tratar dos títulos
translativos, faz-se por oportuno buscar na Lei 6.015/73 (Lei dos Registros
Públicos) o artigo 221 que preceitua:
“Somente são admitidos a registro”: I – escrituras públicas,
inclusive as lavradas em consulados brasileiros; II – os escritos particulares
autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, dispensado o
reconhecimento quando se tratar de atos praticados por entidades vinculadas ao
Sistema Financeiro da Habitação; III – atos autênticos de países estrangeiros,
com força de instrumento público, legalizados e traduzidos na forma da lei, e
registrado no Cartório do Registro de Títulos e Documentos, assim como
sentenças proferidas por tribunais estrangeiros após homologação pelo Supremo
Tribunal Federal; IV – cartas de sentença, formais de partilha, certidões e
mandatos extraídos de autos de processo; V – contratos ou termos
administrativos, assinados com a União, Estados, Municípios ou o Distrito
Federal, no âmbito de programas de regularização fundiária e de programas
habitacionais de interesse social, dispensado o reconhecimento de firma.”
(grifo nosso)
Quando o legislador
utiliza-se do advérbio “somente” no caput do artigo supramencionado, para
elencar os títulos translativos objeto de registro, fica estabelecido de forma irrefutável,
que somente os admitidos por lei, serão acolhidos no registro imobiliário, para
que sejam examinados e registrados.
Para uma melhor compreensão
do assunto, far-se-á alguns breves comentários acerca dos instrumentos públicos
e particulares a que se reporta o legislador no artigo em comento.
3.1. Escrituras Públicas
No que concerne às escrituras
públicas a que se refere o inciso I do artigo 221 da LRP, segundo o conceito de
Leonardo BRANDELLI (2007: p. 273) “é o ato notarial mediante o qual o tabelião
recebe manifestações de vontade endereçadas à criação de atos jurídicos”.
A legislação civil brasileira
adota a regra da liberdade das formas, conforme previsto no artigo 107 do CC,
quando estabelece que “a validade da declaração de vontade não dependerá de
forma especial, senão quando a lei expressamente o exigir”. Diante da previsão
legal, qualquer contrato poderá ser celebrado por escritura pública. (2007: p.
274) Não obstante, no que concerne ao título translativo de propriedade imóvel,
o artigo 108 da legislação supramencionada preceitua que:
“Não
dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem a
constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo
vigente no País”. (grifo nosso)
Em face da previsão legal,
todos aqueles que estiverem por realizar negócio jurídico que envolva a transferência
de imóveis de valor superior a trinta vezes o salário mínimo vigente no Brasil (hoje
unificado), deverá obrigatoriamente recorrer ao Tabelionato de Notas para que o
tabelião lavre sua escritura pública de compra e venda, posto que, não
obedecido o comando legal, o título translativo apresentado será devolvido pelo
oficial registrador, por ser tal negócio considerado inválido.
Além da situação prevista no
artigo supramencionado, dispõe o artigo 1.793 da legislação civil, que a cessão
de direitos hereditários somente poderá ser celebrada por escritura pública, como
também, o pacto antenupcial sob pena de nulidade, conforme o disposto no artigo
1.653 da referida legislação.
Outros exemplos de negócios
jurídicos envolvendo bens imóveis que obrigatoriamente deverão ser instrumentalizados
por escritura pública, sujeitos a invalidade, são os que instituem direito de
superfície (art. 1.369 do CC) e o bem de família instituído inter vivos (art. 1.711 do CC), dentre
outros.
Oportuno pontuar que com o
advento da lei 11.441/2007, os Tabelionatos de Notas passaram a realizar
divórcios e inventários extrajudiciais. Com isso, os tabeliães passam a
elaborar escrituras públicas de inventário, partilha e adjudicação, as quais também
serão apresentadas ao registro imobiliário para análise, registro e efetiva transferência
de propriedade.
3.2. Escritos Particulares
Quanto aos escritos
particulares, conforme firmado no inciso II do artigo 221 da LRP, somente serão
acolhidos para registro no Cartório de Registro de Imóveis (CRI), se determinados
em lei. Vale ressaltar algumas situações, em que a legislação autoriza que instrumentos
realizados por particulares sejam considerados pelo oficial registrador títulos
translativos aptos para serem registrados.
A esse respeito, o referido
artigo 108 do CC, já estabelece que caso o imóvel objeto da transação apresente
valor inferior a trinta vezes o salário mínimo vigente no País, poderá ser
realizado por escritos particulares.
Já o inciso II do artigo 221
da LRP, se reporta aos contratos particulares oriundos do Sistema Financeiro da
Habitação – SFH (Lei 4.380/1.964), que têm força de escritura pública,
dispensando-se inclusive o reconhecimento de firma de contratantes e
testemunhas.
Oportuno pontuar a Lei
8.934/1.994 (Lei de Registro de Empresas), que em seu artigo 64 preceitua que:
“A
certidão dos atos de constituição e de alteração de sociedades mercantis,
passadas pelas Juntas Comerciais em que foram arquivados, será documento hábil,
para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens
com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou aumento do capital
social”.
Posteriormente com o advento
da Lei 9.514/1997, que veio disciplinar a Alienação Fiduciária em Garantia para
imóveis ficou estabelecido em seu artigo 38 in
verbis:
“Os atos
e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles
que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos
reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por
instrumento particular com efeitos de escritura pública”.
De acordo com a lei
supracitada, os contratos de alienação fiduciária poderão ser contratados por
pessoa física ou jurídica, não sendo privativo das instituições financeiras que
operam no Sistema Financeiro Imobiliário – SFI. (§ 1º do art. 22)
Portanto, em face das
legislações específicas acima apresentadas, observam-se casos pontuais, em que
o instrumento particular será considerado título translativo apto a ser
registrado pelo Cartório de Registro de Imóveis (CRI).
4. PRINCÍPIOS DO REGISTRO IMOBILIÁRIO
Depois da análise feita aos
títulos translativos autorizados por lei, faz-se por oportuno algumas
considerações sobre os princípios que regem o registro imobiliário, posto que,
obrigatoriamente todos os instrumentos, não importando se escrituras públicas
lavradas nos tabelionatos de notas ou oriundos do poder judiciário, bem como os
escritos particulares, todos deverão estar acordes com os princípios registrais.
Segundo AVVAD, “os princípios
são critérios que servem para a elaboração e a interpretação das leis”. (2012:
p. 294) O registro imobiliário tem, assim, seus princípios ou critérios, que
serão examinados a seguir.
4.1. Princípio de presunção de Fé Pública – A fé pública está intimamente ligada à presunção de validade do
registro. O oficial registrador tem fé pública, daí os atos por ele praticados
presumem-se autênticos perante as suas declarações e certidões, até prova em
contrário. (2012: p. 294)
4.2. Princípio da Prioridade (ou Preferência) - O que atribui prioridade a um título é a ordem de
entrada no CRI, ou seja, o título registrado em primeiro lugar tem preferência
em relação a todos os outros que forem apresentados. (Lei 6.015/73, arts. 12
174 e 175).
4.3.
Princípio da Especialidade – Refere-se à identificação do
imóvel objeto do registro. Tanto o imóvel como os contratantes devem estar
perfeitamente identificados e particularizados, tornando o imóvel inconfundível.
(Art. 225 da Lei 6.015/73)
4.4.
Princípio da Disponibilidade - Significa
que ninguém pode transferir mais direitos do que os constituídos no registro,
devendo este princípio ser observado em relação ao imóvel, como também aos
contratantes.
4.5.
Princípio da Continuidade - É
a viga mestra do nosso sistema registral, que garante a segurança dos registros
imobiliários. Cada registro deve apoiar-se no anterior, formando um
encadeamento histórico de titularidade, a vista do qual, só se fará o registro
de um direito se o outorgante dele figurar no registro anterior como seu
titular. (Art. 195 e 222 da LRP)
4.6. Princípio da Obrigatoriedade
- Para
ser titular do domínio é obrigatório o ato de registrar. (Art. 1.227; Art.
1.245 e §§ 1º, 2º do CC)
4.7.
Princípio da unicidade - Cada
Matrícula somente pode ter em sua abertura um único imóvel, mesmo que depois
possa o imóvel primitivo originar vários outros. (Art. 176, §1º, I e Art. 227
da LRP).
4.8.
Princípio da Instância ou Reserva de Iniciativa
- É aquele pelo qual, em regra, o registrador só pode
praticar atos de registro e averbação, se solicitado pelo interessado. (Art.
13, I, II, III da LRP).
4.9.
Princípio da Territorialidade ou Circunscrição
- Delimita a competência em razão do local, para os atos
de registro. (Art. 169 da LRP e Art. 12 da Lei 8.035/94)
4.10.
Princípio da Legalidade- Impõe
o exame prévio da legalidade, validade e eficácia dos títulos, a fim de obstar
o registro de títulos inválidos, ineficazes ou imperfeitos. (Art. 481, XIII, do
Provimento 6/2.010 da CGJ/CE).
4.11.
Princípio da Publicidade - Faz
obrigatório o registro do ato inerente a imóveis para efeito de torná-lo
suscetível de ser conhecido por qualquer pessoa. (Art. 17 da LRP)
4.12.
Princípio da Concentração - O
Princípio da Concentração é um corolário importante do princípio da publicidade
porque vai definir qualquer conteúdo de atos registrais passíveis de figurarem
na matrícula do imóvel de modo que possam ser publicizados e opostos a
terceiros a partir da respectiva certidão.
O Princípio da Concentração
fundamenta-se em que a Matrícula deve ser tão completa de informações quanto
possível, de forma que dispense diligências a outras fontes de informações
relativas ao imóvel, fazendo com que essa fonte única de informação seja
sinônimo de segurança jurídica.
Isto posto, vale mais uma vez ressaltar que a
observância aos princípios registrais se faz imprescindível para que se realize
o registro do instrumento de transmissão, como reiteradamente reportou-se o
presente artigo, alcançando-se assim a efetiva propriedade e suas consequências
no mundo jurídico.
5.
CONCLUSÃO
Diante do exposto fica claro que, a
legislação pátria exige o registro do título translativo para que se transfira
a propriedade imóvel. Não obstante, muito comumente pessoas entendem ser
proprietárias, por terem em suas mãos um contrato de compra e venda assinado
pelas partes e testemunhas, ou mesmo um instrumento público oriundo dos
tabelionatos de notas ou do poder judiciário. Na realidade fática e de direito,
o adquirente tornou-se possuidor do imóvel.
Em termos práticos significa que poderá
usar, fruir, dispor de sua posse, como também defendê-la. Entretanto, não
poderá hipotecá-lo, nem constituir nenhum outro direito real sobre o mesmo,
muito menos transferir a propriedade para outrem. Além dos possíveis dissabores
advindos, caso o proprietário que figura no registro imobiliário como tal vier
a falecer, caso em que a herança se transfere automaticamente para os herdeiros
do de cujus.
Portanto, para concluir o presente
artigo apresentar-se-á algumas cautelas gerais, elencadas por Pedro Ellias
Avvad, em sua obra Direito Imobiliário
(2012: p. 89/90) para que se evitem surpresas desagradáveis, senão vejamos:
a) Exigir-se
a Certidão do Registro de Imóveis, objetivando conhecer o atual proprietário e
a existência, ou não, de ônus reais, as características, a descrição e as
confrontações do imóvel objeto do negócio imobiliário.
b) Certidões
dos Distribuidores da Justiça, estadual e federal, pessoais e reais, com a
finalidade de conhecer-se a existência, ou não, das ações judiciais que tenham
por objeto o imóvel a ser adquirido, ou contra o transmitente.
c) Certidões
relativas aos impostos incidentes sobre o imóvel e sobre o alienante, já que
eventuais dívidas com impostos têm natureza propter
rem, isto é, acompanham a coisa.
d) Quitação
para com o condomínio, no caso do bem adquirido integrar condomínio edilício
(prédio de apartamentos, por exemplo).
e) Conhecimento
prévio de sujeição do imóvel à desapropriação, com relação à existência de
decreto declarando-o de utilidade ou de necessidade pública (Decreto-lei nº
3.365, de 21 de junho de 1941); de interesse social (Lei nº 4.132, de 10 de
setembro de 1962), ou de interesse social para fins de reforma agrária (Lei nº
8.629, de 25 de fevereiro de 1993, art. 5º, e Lei Complementar nº 76, de 6 de
julho de 1993).
f) Se
o imóvel for rural, é preciso realizar levantamento no Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária – INCRA, para saber se existe algum projeto para
sua desapropriação.
g) Tratando-se
de imóvel urbano, é importante verificar se existem projetos da Prefeitura que
tenham por objeto o imóvel, no todo, ou em parte.
h) É
preciso, também, ter cautela quanto à existência de locatário, donatário,
comodatário, usufrutuário e compossuidor, mesmo com posse injusta, mas com
pretensão à aquisição da propriedade por qualquer espécie de usucapião.
i)
De igual modo deve-se proceder a levantamento
quanto à existência de interesse público na preservação ou incidência de
tombamento ou outras limitações ao direito de propriedade de natureza legal,
administrativa, ou judicial.
j)
Se o alienante for pessoa jurídica,
devem ser exigidas certidões negativas de débitos fiscais, trabalhistas e com a
previdência social, ou, em sendo pessoa física, a declaração de não
contribuinte como empregador.
Finaliza o autor sugerindo que
embora não tenhamos a previsão legal de se produzir documento que comprove a
inexistência de união estável, é absolutamente recomendável, em se tratando de
alienante solteiro, separado judicialmente ou divorciado, que se exija
comprovação de existência, se positiva, ou declaração de inexistência, sob as
penas da lei, em hipótese contrária, haja vista o disposto no art. 1.725 do
Código Civil:
“Na união
estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações
patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”.
Isto posto, vale ressaltar que o
presente trabalho está longe de esgotar todos os aspectos que envolvem a
transferência da propriedade imóvel, pois são muitos os requisitos legais a
serem considerados, mas que poderão ser tratados oportunamente em outros
trabalhos.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
AVVAD, Pedro
Elias. Direito Imobiliário (Teoria
Geral e Negócios Imobiliários). 3ª edição. Rio de Janeiro/RJ. Editora Forense.
2012.
BRANDELLI, Leonardo.
Teoria Geral do Direito Notarial. 2ª edição. São Paulo/SP. Editora Saraiva.
2007.
CENEVIVA,
Walter.
Lei de Registros Públicos comentada. 20ª edição. São Paulo/SP. Editora Saraiva.
2010.
RIZZARDO,
Arnaldo.
Direito das Coisas. 3ª edição. Rio de Janeiro/RJ. Editora Forense. 2007.