domingo, 30 de setembro de 2012

A TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE IMÓVEL PRIVADA FACE O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO


Maria das Graças Cabral Galdino*

 

RESUMO

O presente artigo abordará alguns aspectos relevantes para que se efetive a transferência da propriedade imóvel privada no Brasil. Com frequência observa-se no âmbito judicial e/ou extrajudicial conflitos envolvendo a propriedade imobiliária, e que poderiam ser evitados, caso algumas precauções fossem tomadas logo no início das negociações. O sistema jurídico brasileiro estabelece, que a transferência da propriedade imóvel só se efetiva através do registro do título translativo no Registro de Imóveis. Então, com base na legislação pertinente e na doutrina dominante, alguns comentários serão feitos a respeito dos títulos translativos registráveis, e de alguns princípios do registro imobiliário.

Palavras-chave: propriedade imóvel; transferência da propriedade imóvel; títulos translativos; princípios do registro imobiliário.
 

1 INTRODUÇÃO
No transcorrer dos tempos observa-se constantemente a propriedade imóvel como objeto de negócios jurídicos que geram constantes conflitos. É considerável o número de problemas envolvendo a transferência de imóveis, levando os interessados à busca de soluções através das Corregedorias Gerais de Justiça dos Estados, e/ou pelas vias contenciosas.

É comum ouvir-se de muitas pessoas, alegres comentários relacionados à realização de um sonho há muito almejado, e que se concretizaria na aquisição da casa própria. Como também, a satisfação daqueles que anseiam vender seus imóveis objetivando a realização de outras transações negociais.

Entretanto, passados os primeiros momentos da realização do negócio, muito comumente através dos contratos de promessa de compra e venda, surgem os verdadeiros problemas quando da efetivação da transferência da propriedade junto ao registro imobiliário.

Em Fortaleza/CE, por exemplo, pode-se observar no gráfico abaixo, realizado pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do SECOVI-CE (INPESCE), o grande volume de vendas de imóveis ocorridos entre os anos de 2001 a 2010.

 
                                       Gráfico demonstrativo do volume de vendas de imóveis em Fortaleza - Ceará
                                         (http://www.secovi-ce.com.br/index. php? option=com_content&view=article&id– i – Acessado em: 28/09/2012).

 
Não obstante o montante de alienações apresentado no gráfico acima, grande número dessas transações estarão envolvidas em irregularidades, que privarão a transferência da propriedade, gerando decepções e conflitos que muito comumente envolvem vendedores, compradores, corretores de imóveis, quando não, os ofícios de notas e de registro imobiliário.

Vale ressaltar que segundo o ordenamento jurídico brasileiro, o proprietário é aquele que “tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.” (Artigo 1.228 do Código Civil).

Ou seja, ser proprietário é ter, por exemplo, a faculdade de morar no seu imóvel, ou se preferir, alugá-lo, ou ainda dar em garantia hipotecária aos seus credores. Ser proprietário é poder dispor de parte de seus poderes em favor de outrem, constituindo um usufruto, ou contratando com alguém uma concessão de superfície. Ou ainda, ter o direito de discutir limites e demarcações com seus confinantes.

Ser proprietário é ter legitimidade para mandar demolir construções que desrespeitem a especialização de seu imóvel, ou reivindicá-lo das mãos de quem quer que o detenha sem o título de domínio. Ser proprietário é a qualquer tempo poder alienar gratuita ou onerosamente a sua propriedade, dentre várias outras possibilidades estabelecidas em lei.

Entretanto, o que se faz necessário para haja a efetiva transferência da propriedade, e com esta o exercício das faculdades que a legislação civil preceitua? O presente trabalho tem por escopo pontuar alguns aspectos relevantes para que se efetive a aquisição da propriedade imóvel, logicamente sem a pretensão de esgotar o assunto.

Far-se-á uma abordagem de preceitos legais e princípios, que se observados evitar-se-á alguns escolhos, que comumente levam a cercear a concretização do negócio imobiliário. Não obstante, é importante destacar que no momento da aquisição de um imóvel, deve-se deixar de lado um pouco do “encantamento e dos sonhos”, para buscar “racionalmente” analisar se o desejado imóvel atende aos requisitos legais que permitirão de fato e de direito a transferência da propriedade, que é a pretensão almejada por vendedores e compradores.


2. A PROPRIEDADE PRIVADA

 No que concerne à propriedade privada, Arnaldo Rizzardo, assevera que:

 “No Direito Romano, o termo técnico para designar propriedade era dominium (o domínio) enquanto designava-se o proprietário de dominus (o senhor). Adveio, posteriormente, o termo proprietas, com o significado de referência à qualidade de ser própria a coisa, de pertencer de modo exclusivo e absoluto ao proprietário. O termo dominium passou a exprimir o poder do proprietário sobre a coisa que lhe pertencia, ou a soma dos poderes que lhe competia. Admitiu-se, assim, ao lado do dominus proprietatis, o dominus usufructus. De modo geral, há sinônimo no emprego dos dois termos”. (2007: p. 183)

Adiante, estabelece o autor que “o vocábulo ‘domínio’ encerra um conteúdo que se encontra na palavra ‘propriedade’; esta, porém, além de ser aplicável aos móveis e imóveis, compreende também as coisas incorpóreas, desdobradas na propriedade intelectual, que se subdivide em propriedade literária, artística, científica e industrial”. (2007: p. 184)

No Brasil, os imóveis de domínio privado, segundo preceitua Pedro Elias Avvad, em sua obra Direito Imobiliário (Teoria Geral e Negócios Imobiliários) “tiveram a sua origem, basicamente, no instituto da sesmaria”. De acordo com a narrativa do autor, logo depois do descobrimento do Brasil, as novas terras foram incorporadas ao domínio da Coroa portuguesa, e com a criação das capitanias hereditárias, o rei delegava aos seus titulares (donatários), o poder de conceder sesmarias às pessoas que se estabelecessem em suas capitanias. (2012: p. 21)

Com o advento da Lei nº 601 de 1850 foi criado o “registro do vigário ou paroquial das terras possuídas por particulares”, tendo apenas o caráter de cadastramento. O sistema fundiário privado passou a normatizar-se, portanto, a partir da promulgação da referida lei. (2012: p. 23)

Já em pleno século XX foi promulgado o Decreto nº 4.857/1939 que trouxe o sistema do registro imobiliário através das Transcrições, onde no Livro 3 eram feitas as transmissões do domínio, e no Livro 2 a inscrição hipotecária.

Até que no ano de 1973, foi promulgada a Lei 6.015 (Lei dos Registros Públicos) que objetivando a autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos que envolvam a propriedade imóvel, pautou-se em princípios registrais que serão comentados oportunamente.

Hodiernamente, o Código Civil brasileiro estabelece em seu artigo 1.245, que a propriedade privada só se transfere “mediante o registro do título translativo no registro de imóveis”.

Isto posto, constata-se que o sistema registral brasileiro é bifásico, pois a transferência da propriedade imóvel passa num primeiro momento pela elaboração do “título translativo”, o qual posteriormente será apresentado ao registro imobiliário, para que submetido ao exame da legalidade seja registrado, e então se faça a transladação do domínio para o novo adquirente.

Em seguida, nos §§1º e 2º do referido artigo, o legislador estabelece que “enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”, e que “enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel”.

Observa-se, portanto que a legislação brasileira é enfática em asseverar que somente através do registro do título translativo no registro imobiliário, que a propriedade imóvel se transfere, e que enquanto não houver cancelamento do registro, aquele que figurar como proprietário poderá exercer todas as faculdades que lhe são atribuídas por lei.

Diante do exposto, no item subsequente, tratar-se-á dos instrumentos de transferência da propriedade imóvel que a legislação pertinente atribui legitimidade para serem apresentados ao CRI para o devido exame e posterior registro.

3. TÍTULOS TRANSLATIVOS

Para tratar dos títulos translativos, faz-se por oportuno buscar na Lei 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos) o artigo 221 que preceitua:

Somente são admitidos a registro”: I – escrituras públicas, inclusive as lavradas em consulados brasileiros; II – os escritos particulares autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, dispensado o reconhecimento quando se tratar de atos praticados por entidades vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação; III – atos autênticos de países estrangeiros, com força de instrumento público, legalizados e traduzidos na forma da lei, e registrado no Cartório do Registro de Títulos e Documentos, assim como sentenças proferidas por tribunais estrangeiros após homologação pelo Supremo Tribunal Federal; IV – cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandatos extraídos de autos de processo; V – contratos ou termos administrativos, assinados com a União, Estados, Municípios ou o Distrito Federal, no âmbito de programas de regularização fundiária e de programas habitacionais de interesse social, dispensado o reconhecimento de firma.” (grifo nosso)

Quando o legislador utiliza-se do advérbio “somente” no caput do artigo supramencionado, para elencar os títulos translativos objeto de registro, fica estabelecido de forma irrefutável, que somente os admitidos por lei, serão acolhidos no registro imobiliário, para que sejam examinados e registrados.

Para uma melhor compreensão do assunto, far-se-á alguns breves comentários acerca dos instrumentos públicos e particulares a que se reporta o legislador no artigo em comento.

3.1. Escrituras Públicas

No que concerne às escrituras públicas a que se refere o inciso I do artigo 221 da LRP, segundo o conceito de Leonardo BRANDELLI (2007: p. 273) “é o ato notarial mediante o qual o tabelião recebe manifestações de vontade endereçadas à criação de atos jurídicos”.

A legislação civil brasileira adota a regra da liberdade das formas, conforme previsto no artigo 107 do CC, quando estabelece que “a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente o exigir”. Diante da previsão legal, qualquer contrato poderá ser celebrado por escritura pública. (2007: p. 274) Não obstante, no que concerne ao título translativo de propriedade imóvel, o artigo 108 da legislação supramencionada preceitua que:

“Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”. (grifo nosso)

Em face da previsão legal, todos aqueles que estiverem por realizar negócio jurídico que envolva a transferência de imóveis de valor superior a trinta vezes o salário mínimo vigente no Brasil (hoje unificado), deverá obrigatoriamente recorrer ao Tabelionato de Notas para que o tabelião lavre sua escritura pública de compra e venda, posto que, não obedecido o comando legal, o título translativo apresentado será devolvido pelo oficial registrador, por ser tal negócio considerado inválido.

Além da situação prevista no artigo supramencionado, dispõe o artigo 1.793 da legislação civil, que a cessão de direitos hereditários somente poderá ser celebrada por escritura pública, como também, o pacto antenupcial sob pena de nulidade, conforme o disposto no artigo 1.653 da referida legislação.

Outros exemplos de negócios jurídicos envolvendo bens imóveis que obrigatoriamente deverão ser instrumentalizados por escritura pública, sujeitos a invalidade, são os que instituem direito de superfície (art. 1.369 do CC) e o bem de família instituído inter vivos (art. 1.711 do CC), dentre outros.

Oportuno pontuar que com o advento da lei 11.441/2007, os Tabelionatos de Notas passaram a realizar divórcios e inventários extrajudiciais. Com isso, os tabeliães passam a elaborar escrituras públicas de inventário, partilha e adjudicação, as quais também serão apresentadas ao registro imobiliário para análise, registro e efetiva transferência de propriedade.

3.2. Escritos Particulares

Quanto aos escritos particulares, conforme firmado no inciso II do artigo 221 da LRP, somente serão acolhidos para registro no Cartório de Registro de Imóveis (CRI), se determinados em lei. Vale ressaltar algumas situações, em que a legislação autoriza que instrumentos realizados por particulares sejam considerados pelo oficial registrador títulos translativos aptos para serem registrados.

A esse respeito, o referido artigo 108 do CC, já estabelece que caso o imóvel objeto da transação apresente valor inferior a trinta vezes o salário mínimo vigente no País, poderá ser realizado por escritos particulares.

Já o inciso II do artigo 221 da LRP, se reporta aos contratos particulares oriundos do Sistema Financeiro da Habitação – SFH (Lei 4.380/1.964), que têm força de escritura pública, dispensando-se inclusive o reconhecimento de firma de contratantes e testemunhas.

Oportuno pontuar a Lei 8.934/1.994 (Lei de Registro de Empresas), que em seu artigo 64 preceitua que:

“A certidão dos atos de constituição e de alteração de sociedades mercantis, passadas pelas Juntas Comerciais em que foram arquivados, será documento hábil, para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou aumento do capital social”.

Posteriormente com o advento da Lei 9.514/1997, que veio disciplinar a Alienação Fiduciária em Garantia para imóveis ficou estabelecido em seu artigo 38 in verbis:

“Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública”.

De acordo com a lei supracitada, os contratos de alienação fiduciária poderão ser contratados por pessoa física ou jurídica, não sendo privativo das instituições financeiras que operam no Sistema Financeiro Imobiliário – SFI. (§ 1º do art. 22)

Portanto, em face das legislações específicas acima apresentadas, observam-se casos pontuais, em que o instrumento particular será considerado título translativo apto a ser registrado pelo Cartório de Registro de Imóveis (CRI).

4. PRINCÍPIOS DO REGISTRO IMOBILIÁRIO

Depois da análise feita aos títulos translativos autorizados por lei, faz-se por oportuno algumas considerações sobre os princípios que regem o registro imobiliário, posto que, obrigatoriamente todos os instrumentos, não importando se escrituras públicas lavradas nos tabelionatos de notas ou oriundos do poder judiciário, bem como os escritos particulares, todos deverão estar acordes com os princípios registrais.  

Segundo AVVAD, “os princípios são critérios que servem para a elaboração e a interpretação das leis”. (2012: p. 294) O registro imobiliário tem, assim, seus princípios ou critérios, que serão examinados a seguir.

4.1. Princípio de presunção de Fé Pública – A fé pública está intimamente ligada à presunção de validade do registro. O oficial registrador tem fé pública, daí os atos por ele praticados presumem-se autênticos perante as suas declarações e certidões, até prova em contrário. (2012: p. 294)

4.2. Princípio da Prioridade (ou Preferência) - O que atribui prioridade a um título é a ordem de entrada no CRI, ou seja, o título registrado em primeiro lugar tem preferência em relação a todos os outros que forem apresentados. (Lei 6.015/73, arts. 12 174 e 175).

4.3. Princípio da Especialidade – Refere-se à identificação do imóvel objeto do registro. Tanto o imóvel como os contratantes devem estar perfeitamente identificados e particularizados, tornando o imóvel inconfundível. (Art. 225 da Lei 6.015/73)

4.4. Princípio da Disponibilidade - Significa que ninguém pode transferir mais direitos do que os constituídos no registro, devendo este princípio ser observado em relação ao imóvel, como também aos contratantes.

4.5. Princípio da Continuidade - É a viga mestra do nosso sistema registral, que garante a segurança dos registros imobiliários. Cada registro deve apoiar-se no anterior, formando um encadeamento histórico de titularidade, a vista do qual, só se fará o registro de um direito se o outorgante dele figurar no registro anterior como seu titular. (Art. 195 e 222 da LRP)

4.6. Princípio da Obrigatoriedade - Para ser titular do domínio é obrigatório o ato de registrar. (Art. 1.227; Art. 1.245 e §§ 1º, 2º do CC)

4.7. Princípio da unicidade - Cada Matrícula somente pode ter em sua abertura um único imóvel, mesmo que depois possa o imóvel primitivo originar vários outros. (Art. 176, §1º, I e Art. 227 da LRP).

4.8. Princípio da Instância ou Reserva de Iniciativa - É aquele pelo qual, em regra, o registrador só pode praticar atos de registro e averbação, se solicitado pelo interessado. (Art. 13, I, II, III da LRP).

4.9. Princípio da Territorialidade ou Circunscrição - Delimita a competência em razão do local, para os atos de registro. (Art. 169 da LRP e Art. 12 da Lei 8.035/94)

4.10. Princípio da Legalidade- Impõe o exame prévio da legalidade, validade e eficácia dos títulos, a fim de obstar o registro de títulos inválidos, ineficazes ou imperfeitos. (Art. 481, XIII, do Provimento 6/2.010 da CGJ/CE).

4.11. Princípio da Publicidade - Faz obrigatório o registro do ato inerente a imóveis para efeito de torná-lo suscetível de ser conhecido por qualquer pessoa. (Art. 17 da LRP)

4.12. Princípio da Concentração - O Princípio da Concentração é um corolário importante do princípio da publicidade porque vai definir qualquer conteúdo de atos registrais passíveis de figurarem na matrícula do imóvel de modo que possam ser publicizados e opostos a terceiros a partir da respectiva certidão.

O Princípio da Concentração fundamenta-se em que a Matrícula deve ser tão completa de informações quanto possível, de forma que dispense diligências a outras fontes de informações relativas ao imóvel, fazendo com que essa fonte única de informação seja sinônimo de segurança jurídica.

Isto posto, vale mais uma vez ressaltar que a observância aos princípios registrais se faz imprescindível para que se realize o registro do instrumento de transmissão, como reiteradamente reportou-se o presente artigo, alcançando-se assim a efetiva propriedade e suas consequências no mundo jurídico.
 

5. CONCLUSÃO

Diante do exposto fica claro que, a legislação pátria exige o registro do título translativo para que se transfira a propriedade imóvel. Não obstante, muito comumente pessoas entendem ser proprietárias, por terem em suas mãos um contrato de compra e venda assinado pelas partes e testemunhas, ou mesmo um instrumento público oriundo dos tabelionatos de notas ou do poder judiciário. Na realidade fática e de direito, o adquirente tornou-se possuidor do imóvel.

Em termos práticos significa que poderá usar, fruir, dispor de sua posse, como também defendê-la. Entretanto, não poderá hipotecá-lo, nem constituir nenhum outro direito real sobre o mesmo, muito menos transferir a propriedade para outrem. Além dos possíveis dissabores advindos, caso o proprietário que figura no registro imobiliário como tal vier a falecer, caso em que a herança se transfere automaticamente para os herdeiros do de cujus.

Portanto, para concluir o presente artigo apresentar-se-á algumas cautelas gerais, elencadas por Pedro Ellias Avvad, em sua obra Direito Imobiliário (2012: p. 89/90) para que se evitem surpresas desagradáveis, senão vejamos:

a)      Exigir-se a Certidão do Registro de Imóveis, objetivando conhecer o atual proprietário e a existência, ou não, de ônus reais, as características, a descrição e as confrontações do imóvel objeto do negócio imobiliário.

b)      Certidões dos Distribuidores da Justiça, estadual e federal, pessoais e reais, com a finalidade de conhecer-se a existência, ou não, das ações judiciais que tenham por objeto o imóvel a ser adquirido, ou contra o transmitente.

c)      Certidões relativas aos impostos incidentes sobre o imóvel e sobre o alienante, já que eventuais dívidas com impostos têm natureza propter rem, isto é, acompanham a coisa.

d)     Quitação para com o condomínio, no caso do bem adquirido integrar condomínio edilício (prédio de apartamentos, por exemplo).

e)      Conhecimento prévio de sujeição do imóvel à desapropriação, com relação à existência de decreto declarando-o de utilidade ou de necessidade pública (Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941); de interesse social (Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962), ou de interesse social para fins de reforma agrária (Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, art. 5º, e Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993).

f)       Se o imóvel for rural, é preciso realizar levantamento no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, para saber se existe algum projeto para sua desapropriação.

g)      Tratando-se de imóvel urbano, é importante verificar se existem projetos da Prefeitura que tenham por objeto o imóvel, no todo, ou em parte.

h)      É preciso, também, ter cautela quanto à existência de locatário, donatário, comodatário, usufrutuário e compossuidor, mesmo com posse injusta, mas com pretensão à aquisição da propriedade por qualquer espécie de usucapião.

i)        De igual modo deve-se proceder a levantamento quanto à existência de interesse público na preservação ou incidência de tombamento ou outras limitações ao direito de propriedade de natureza legal, administrativa, ou judicial.

j)        Se o alienante for pessoa jurídica, devem ser exigidas certidões negativas de débitos fiscais, trabalhistas e com a previdência social, ou, em sendo pessoa física, a declaração de não contribuinte como empregador.

Finaliza o autor sugerindo que embora não tenhamos a previsão legal de se produzir documento que comprove a inexistência de união estável, é absolutamente recomendável, em se tratando de alienante solteiro, separado judicialmente ou divorciado, que se exija comprovação de existência, se positiva, ou declaração de inexistência, sob as penas da lei, em hipótese contrária, haja vista o disposto no art. 1.725 do Código Civil:

“Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”.

Isto posto, vale ressaltar que o presente trabalho está longe de esgotar todos os aspectos que envolvem a transferência da propriedade imóvel, pois são muitos os requisitos legais a serem considerados, mas que poderão ser tratados oportunamente em outros trabalhos.   

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AVVAD, Pedro Elias. Direito Imobiliário (Teoria Geral e Negócios Imobiliários). 3ª edição. Rio de Janeiro/RJ. Editora Forense. 2012.

BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial. 2ª edição. São Paulo/SP. Editora Saraiva. 2007.

CENEVIVA, Walter. Lei de Registros Públicos comentada. 20ª edição. São Paulo/SP. Editora Saraiva. 2010.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. 3ª edição. Rio de Janeiro/RJ. Editora Forense. 2007.
 
*Maria das Graças Cabral Galdino é professora e pesquisadora de Direito das Coisas, Direito Imobiliário e Direito Notarial nas turmas de graduação e pós-graduação de Direito Imobiliário Notarial e Registral na Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Ex-assessora jurídica do 1º e 2º Ofício de Notas e Protestos de Títulos da cidade de Fortaleza - CE.

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